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Afinal, o que a gente entende por saúde?

Updated: Oct 17

Afinal, o que a gente entende por saúde? A palavra parece simples, mas, se olharmos de perto, vemos que ela foi moldada por séculos de ideias, práticas e interesses que ditaram o que seria aceitável, bonito, normal e desejável. Como lembra Foucault, nós nos tornamos quem somos nas relações que criamos com o mundo — relações sempre atravessadas por forças políticas, econômicas e culturais. Nesse sentido, o corpo não é algo “puro” ou natural, mas uma construção histórica: disciplinado, explorado, moldado para servir primeiro ao Estado e, depois, à lógica do mercado.


Como afirmou o filósofo alemão, Heidegger, vivemos sob a predominância de um pensamento técnico, cientificado e capitalista, que reduziu o corpo a objeto e mercadoria — passível de mensuração, manipulação e domínio — apagando sua dimensão existencial.

Sendo assim, usamos o corpo como vitrine para mostrar quem gostaríamos de ser, tentando escondê-lo dos sinais do tempo — como se fosse possível escapar da nossa própria temporalidade, impermanência e finitude. Superar essa visão significa recuperar o corpo como parte essencial do ser-no-mundo, expressão da existência e caminho para uma vida mais autêntica.


Estar vivo é estar em um corpo — é nele que a vida acontece. Como diz Le Breton, a condição humana é antes de tudo corporal: não há experiência fora da carne que nos sustenta, fora dos gestos que nos colocam no mundo. Negar o corpo é, no fundo, negar a própria existência. Por isso, o corpo não pode ser reduzido a músculos, ossos e biologia. Ele é também memória, cultura, linguagem. Cada gesto é aprendido no meio em que vivemos: na família, na escola, na comunidade.


Só que, no nosso tempo, o corpo passa a ser visto como um projeto de modificação sem fim. A promessa é de liberdade, mas, na prática, o que vemos é uma prisão estética: a obrigação de se encaixar em um padrão único e excludente.


Dentro dessa lógica, saúde deixa de ser potência de vida e vira mercadoria. A busca por aceitação e pertencimento nos empurra a abrir mão da nossa singularidade para caber na imagem do outro. Foucault já alertava para a necessidade de uma guerrilha contra nós mesmos, porque ainda carregamos a herança de uma tradição que separou corpo e mente, e que até hoje influência como vivemos e pensamos.


É nesse ponto que a psicanalista Hélia Borges nos convida a mudar o olhar: em vez de tratar o corpo como objeto a ser controlado, pensá-lo como caixa de sensações, como potência criadora, como espaço de afetação e de invenção. Um corpo que pode ser resistência, e não apenas obediência.


Saúde, nesse horizonte, não é simplesmente ausência de doença nem submissão a padrões. É a capacidade de sustentar a existência em sua complexidade: com limites e possibilidades, fragilidades e forças. Um corpo saudável é aquele que pulsa, que se abre e se fecha, que sente e se deixa tocar, que transforma sensação em pensamento.


Valorizar o corpo e a saúde significa, então, abrir espaço para a diversidade: corpos plurais, contraditórios, fora da norma. Saúde não é disciplina de mercado, mas potência de vida — a vida de um corpo vivo, sensível, histórico, criador.


E aqui está o ponto crítico: vivemos num tempo em que saúde é confundida com a imagem do corpo perfeito — magro, jovem, sem rugas, definido. A mídia e a tecnociência oferecem soluções para cada “falha”: cirurgias, remédios, treinos e dietas que prometem felicidade instantânea. Mas a que custo?

 

Santos, A. M. D., & Costa, F. S. D. (2018). Corporeality Philosophy: transversalizing of an intense becoming body. Educação e Realidade43(1), 223-237.

Merleau-Ponty, A. E. H. Y. (2012). O Corpo em uma Perspectiva Fenomenológico-Existencial: Aproximações entre Heidegger e Merleau-Ponty1. PSICOLOGIA: CIÊNCIA E PROFISSÃO, 32(4), 776-791.

Campos, Marcus Vinícius Simões de, Magrin, Natália Papacidero, Cintra, Marina Melo, & Moreira, Wagner Wey. (2017). Uma fenomenologia do corpo. Psicologia da Educação, (45), 95-99. https://doi.org/10.5935/2175-3520.20170021

 
 
 

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